A Constituição da República Portuguesa consagra no Art.º 20º,
n.º 1, o direito de acesso de todos os cidadãos aos Tribunais e à Justiça, referindo,
expressamente, que a justiça não pode ser “denegada por insuficiência de meios
económicos”. Alguns autores consideram este normativo como uma explícita exigência
constitucional de “democratização da Justiça”. Sem negarmos inteiramente a bondade
desse ponto de vista, lembramos que este direito de acesso à justiça é, antes de mais,
“um direito fundamental formal” e, como tal, afirma-se como condição necessária mas
não suficiente do que pensamos ser uma “efectiva democratização da justiça”. Esta
só começa, verdadeiramente, quando o processo judicial se abre, pelos princípios da
imediação, da oralidade e do contraditório, ao exercício livre da razão, mesmo que tal
exercício surja condicionado pelos constrangimentos processuais lhe regulem o tempo
e a oportunidade. −A esta luz, a “democratização da justiça” tem o seu privilegiado
momento no debate instrutório e na audiência de julgamento. Mas ela está igualmente
presente na subsunção do caso à norma, sempre que o juiz se empenha em conformar
a sua decisão com o “sistema material de valores” consagrado na Constituição, valores
largamente partilhados pela sociedade. Vemo-la ainda presente na deliberação íntima do
juiz, uma vez que, nesse momento, a sua razão se abre dialogicamente à interlocução,
presumida mas efectiva, com os seus pares, com as instâncias que potencialmente
podem ser chamadas a apreciar os fundamentos da sua decisão, numa palavra, à
interlocução com o auditório judiciário universal. Por último, a democratização
da justiça expressa-se na racionalidade argumentativa que caracteriza motivação das
decisões de Justiça, cumprindo-se desse modo um imperativo que sendo legal não
deixa de ser também ético e político, uma vez que o dar razões dos actos praticados
impende sobre todo o exercício democrático do poder